27/11 - Epílogo

A viagem até o aeroporto custou, em vez de 4 yuans mais 50 pro maglev, 7 yuans pelo trecho todo de metrô convencional até lá. Achamos uma boa economia, ao custo de não poder tirar uma foto na frente de um trem, que ficaria esquecida para sempre lá num HD, como ficam todas as outras fotos de todas as outras viagens. Diz muito deste cacoete de apontar sempre para a frente que é um dos sintomas da doença da vida. Se nem eu mesmo retorno às fotos que tirei, às bobagens que escrevi, aos discos que gravei, por que alguma outra pessoa o faria, ocupada demais que está em também negligenciar seu passado para construir um futuro que será posteriormente negligenciado? E se cada vez mais todos produzimos para olhos e ouvidos inexistentes, que diferença faz produzir, afinal?
Dia vazio de acontecimentos, a menos que eu faça hoje a crïtica de cinema de todos os filmes que assisti. Coisa de 30 horas ou com a bunda sentada numa cadeira de avião ou em pé numa fila para embarcar no próximo voo. A viagem de ida  não foi tão sofrida, porque estava vindo para as férias, a aventura, a novidade. A volta deu bem mais no saco, por ser retorno ao calor, à mediocridade desta vidinha que vai cada vez mais cambaleando, envelhecendo e se inviabilizando, em vez de sendo vivida com vigor. É comum em finais de viagem eu me perceber devaneando com a próxima, e não foi diferente desta vez. Não seis meses depois de já de volta à rotina da vida cotidiana, mas ainda em plena vigência da viagem atual. Talvez por já estar finalmente cansando de tanto caminhar, e das demais dificuldades que não me poupei de descrever aqui, e dando trela a  fantasias nas quais as costas não doem, a maquininha de bilhete do metrô reconhece seu dinheiro, e quando você pede uma coca light, eles fazem ideia do que isto significa. Sinal desta insustentabilidade existencial, em que vivemos com a cabeça nas nuvens, mas com os corpos encharcados no esgoto.
Ao menos, às vezes a existência dá uma bobeada, deixa a piroca escapar de dentro da bunda da gente, e acaba nos oferecendo alguns efeitos colaterais estranhos. O voo de Xangai atrasou duplamente, na partida e no desembarque, levando à perda não só da conexão original de Londres para Madri, mas também do voo automaticamente reagendado. Eu, por um lado, entusiasmado com a possibilidade de não conseguir embarcar esta noite para São Paulo e ganhar um diazinho a mais de lambuja em Londres, fechar a viagem com um não-planejado musical no West End, por outro já assoberbado com o monte de compromissos e aporrinhações que me aguardam já  assim que botar o sovaco no calor pátrio. Cheguei a pesquisar, nenhum show disponível pra hoje, provavelmente por ser segunda, dãã... Mas, no final, conseguiram nos colocar num voo direto de Londres, sem passar por Madri, o que me permitiu passar por um terminal de embarque com uma loja de eletrônicos digna, onde consegui comprar, adivinhem, meu microfone! Que custou 90 libras, mais IOF, não sei se é fodão ou apenas um aparelho medíocre a mais, e certamente não tem o condão de melhorar a ruindade da voz de seu dono. Mas foi uma boa surpresa.
E assim acaba a festa. Saldo geral: é como numa suruba, em algum momento, mais cedo ou mesmo que mais tarde, vai rolar você fazer um beijo grego em algum marmanjo. O oriente precisava ser visitado, e sem dúvida rendeu um bom tanto de experiências e situações de mérito, mas não é um canto do mundo que eu pense em revisitar. A barreira da língua cobra um preço alto, o sistema de pagamento é muito confuso, e principalmente na esfera da China, mas não só nela, o clima de repressão é meio desagradável. Mas tá batido o cartão, e agora o mundo restante ficou ainda menor, a única viagem que ainda me dá vontade oficial de fazer é para o eixo Patagônia-Falklands-Galápagos. Com muuuita boa vontade, talvez Cuba. Depois disto, provavelmente o câncer ainda demorará demais para chegar, e não faço ideia de para onde continuar viajando. Mas, se viajar, vai ter blog.

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