30/10 - 京都

O dia começou bizarro, com o café da manhã servido pelo hotel. Até tinha croissant e manteiga, mas os carros-chefes eram as saladas, um monte de caldos e sopas e... macarronada. Ficou mais bizarro ainda não apenas entrando pra vender uns dólares numa agência do Banco do Brasil (!), em plena Nagoya, mas descobrindo que todo mundo lá dentro falava português. Até mesmo os vigias velhinhos ali na frente da porta, japoneses natos, arriscavam um "benvindo" e "obrigado". 

Mas surpresas divertidas são coisa rara nesta viagem. Cada ida à próxima cidade é uma provação. Um novo pulo do desfiladeiro, para ver se chegamos sem quebrar o pescoço lá embaixo. E isto aqui ainda é Japão, imagina mais pra frente nesta viagem. Ontem, havíamos comprado o bilhete pra Quioto bonitinho, na maquininha, com tudo checado duas vezes, todos os botões apertados corretamente. Ao não conseguir embarcar, a mocinha da catraca, assim como a da longa fila da bilheteria, para onde fomos de qualquer modo despachados, falavam pouco compreensivelmente de um segundo bilhete, que deveria ser também adquirido, ao preço praticamente do original. Vi pela terceira vez o drama do passe errado pesando em meus bolsos passar pela minha cabeça. Ao fim, tratava-se, aparentemente, de uma sobretaxa por ser o shinkansen, e não o trem comum. havíamos feito apenas um mau negócio, mas ao menos não um negócio errado.
O Hotel em Quioto, assim como todos os locais a visitar e a estação de trem, ficavam todos longe uns dos outros, cada um num canto da cidade. Uma hora de caminhada por umas ruazinhas sem calçadas e sem interesse específico, na repetição daquele ritual de perder um tempão e um monte de perna só pra ir deixar a bagagem num depósito de um lugar cuja diária só vai começar às 3 da tarde, com o cu tão apertado de receio do hotel não existir, ou não ser lá, ou ninguém atender a porta, ou não aceitarem guardar bagagem, ou ter precisado comprar um segundo tíquete na hora da reserva ou sei lá o que, que uma estrela de nêutrons poderia brotar espontaneamente da minha bunda. Bom, ele existia, era um hotelzinho convencional normal, ninguém na recepção mas o tio apareceu ao tocar a sinetinha, e até já liberou o quarto ao meio-dia mesmo. Mas tinha uma taxa municipal adicional de 200 ienes por cabeça por dia, que toda cidade turîstica descobriu que pode cobrar dos incautos.
As máquinas de bebidas continuam onipresentes, mas, em Quioto, uma segunda coisa é nauseantemente presente, templos. Sem exagero, dois por quarteirão, dos pequenininhos, do tamanho de uma casa, além dos megacomplexos de quilômetros de diâmetro, que são as grande atrações locais. Fiquei imaginado o êxtase que seria esta idade se, em vez de uma mega-Aparecida, fosse uma mega-Universal, com uma montanha-russa a cada esquina, no caminho para o super-ultra-megaparque em si. 
Deu tempo, justinho, com 16 km já percorridos só nesta brincadeira, de chegar na caminhada guiada do dia.
Cuja guia, finalmente uma americana de inglês menos intermediário ou macarrônico, tinha um bigode mais peludo do que a virilha da Dilma, e que era lá mantido  e exibido com orgulho, como se a mocinha fosse uma aspirante à reencarnação de Confúcio. 
Mas então, durante a caminhada, feita em boa parte por ruas apinhadas de turistas e locais, num inesgotável formigueiro humano de hordas de insetinhos se esbarrando pelos caminhos entre um templo e outro, a mágica acontece: voltei a experimentar o grato estranhamento que havia sentido ao caminhar pela cidade antiga de Jerusalém: aquilo é outro planeta, de arquitetura e geografia tão distantes do que experimentamos cotidianamente, com as casinhas de madeira típicas que vêm à mente quando se pensa em Japão, as vielinhas, lanternas de papel e, claro, os templos, tanto quando eram visíveis ali de dentro daquela turba humana de braços levantados segurando suas câmeras de celulares, que tive a sensação de realmente estar fazendo turismo, não apenas sofrendo a existência num lugar diferente de casa. 
Para o jantar, o localizador do Google Maps, mais uma vez, não acertou uma. O que estava indexado como um buffet livre de comidas variadas a preço razoável, com comentários que faziam parecer de fato se tratar de um all you can eat, era apenas uma portinha, com a boca livre limitada os espetinhos empanados, e que só poderia ser feita mediante reserva prévia, ainda que o local, conquanto pequeno, estivesse vazio, e as mesmas poucas mesas pudessem ser ocupadas para pedir a mesmíssima comida à la carte. acabamos ficando. Comprar uma bebida era obrigatório. E, na conta final, apareceu um "taxa de uso de mesa" de 300 ienes por cabeça. E aqui ainda é Japäo.

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